sexta-feira, 23 de maio de 2014

Intertextualidade: exemplos (músicas)

Olá!

Trago, aqui, alguns exemplos de intertextualidade presentes em músicas brasileiras.

EXEMPLO 1 - A mulher de verdade


Primeiro, vejamos a letra da música "Ai que Saudades da Amélia", de Mário Lago:

"Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Não vê que eu sou um pobre rapaz

Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo o que você vê, você quer
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia
Aquilo sim que era mulher

Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado dizia
Meu filho o que se há de fazer

Amélia não tinha a menor vaidade

Amélia que era mulher de verdade"

Agora, vamos à canção "Desconstruindo Amélia", de Pitty.

"Já é tarde, tudo está certo
Cada coisa posta em seu lugar
Filho dorme, ela arruma o uniforme
Tudo pronto pra quando despertar

O ensejo a fez tão prendada
Ela foi educada pra cuidar e servir
De costume esquecia-se dela
Sempre a última a sair

Disfarça e segue em frente
Todo dia, até cansar
E eis que de repente ela resolve então mudar
Vira a mesa,
Assume o jogo
Faz questão de se cuidar
Nem serva, nem objeto
Já não quer ser o outro
Hoje ela é um também

A despeito de tanto mestrado
Ganha menos que o namorado e não entende o porquê
Tem talento de equilibrista
Ela é muitas, se você quer saber

Hoje, aos trinta, é melhor que aos dezoito
Nem Balzac poderia prever
Depois do lar, do trabalho e dos filhos
Ainda vai pra night ferver"

Neste caso, a intertextualidade é percebida no título da canção de Pitty: faz referência direta à Amélia de Mário Lago, que ficou eternamente conhecida como a "mulher de verdade".

EXEMPLO 2 - O amor


Primeiro, vejamos a letra do soneto "Amor é fogo que arde sem se ver", de Camões:

"Amor é um fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente,
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer,
É um andar solitário entre a gente,
É nunca contentar-se de contente,
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade,
É servir a quem vence o vencedor
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?"

Vejamos também o primeiro versículo do 13º capítulo da primeira carta de São Paulo aos Coríntios.

"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine."

Agora, vamos à canção "Monte Castelo", da Legião Urbana.

"Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

É só o amor, é só o amor;
Que conhece o que é verdade;
O amor é bom, não quer o mal;
Não sente inveja ou se envaidece.

O amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É um ter com quem nos mata a lealdade;
Tão contrário a si é o mesmo amor.

Estou acordando e todos dormem, todos dormem, todos dormem;
Agora vejo em parte, mas então veremos face a face.

É só o amor, é só o amor;
Que conhece o que é verdade.

Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria."

Neste caso, a intertextualidade ocorre pois Renato Russo reproduz, em sua canção, tanto o trecho bíblico quanto partes do soneto de Camões.

EXEMPLO 3 - A carta de amor


Primeiro, vejamos um trecho do romance "O Primo Basílio", de Eça de Queirós:

"…tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!"

Agora, vamos à canção "Amor I Love You", de Marisa Monte.

"Deixa eu dizer que te amo
Deixa eu pensar em você
Isso me acalma, me acolhe a alma
Isso me ajuda a viver

Hoje contei pras paredes
Coisas do meu coração
Passei no tempo, caminhei nas horas
Mais do que passo a paixão

É um espelho sem razão
Quer amor, fique aqui

Meu peito agora dispara
Vivo em constante alegria
E o amor que está aqui

Amor I Love You
Amor I Love You
Amor I Love You
Amor I Love You
Amor I Love You
Amor I Love You
Amor I Love You
Amor I Love You

'…tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saída delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!'"

Aqui, temos o trecho do romance citado durante a música. É interessante perceber que ele é declamado, como se a situação vivenciada pela personagem do livro fosse exatamente igual à que o eu-lírico da canção está passando.

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Vale ressaltar que nos três exemplos não é necessário perceber a intertextualidade para compreender ou apreciar as canções. Esse conhecimento apenas expande a compreensão, dando uma visão mais ampla da intenção do compositor.