Li esta crônica no Correio Popular de quarta-feira, e pensei em compartilhá-la com vocês. Espero que gostem!
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Um Carnaval inesquecível
Gustavo Mazzola
Hoje, Quarta-Feira de Cinzas. Além de dar motivo a mudanças de comportamento, uma oportuna conversão, é aquela pausa para reflexões sobre a vida. Para muitos que, neste dia, têm ainda algumas horas disponíveis de lazer, acaba sendo, também, um tempo para relaxar... em casa, à beira da piscina, em qualquer lugar. Enfim, curtir todos os bons momentos da delirante euforia vivida "no Carnaval que passou"!
Pasmem! Nada disso aconteceu com o personagem desta nossa história. Ele viveu, sim, foi uma experiência estranha. Um relato incrível, fantástico.
Seu plano para a segunda-feira de Carnaval era o seguinte: visitar clientes de cidades do Interior, adiantando, assim, sua agenda de trabalho. Um esforço de todos os anos, de que muito se orgulhava.
Saiu de sua casa bem cedinho, de madrugada. A conselho de um amigo pegou uma estrada alternativa, pouco conhecida: era como uma serpente cinzenta, que se movimentava sinuosa à medida em que ia ganhando espaços no asfalto. Depois de horas e horas de viagem, já dentro da noite, e com o tanque de combustível do carro sedento, resolveu parar num posto de abastecimento. Ao estacionar, sentiu que alguma coisa o deixava curioso. O equipamento parecia-lhe muito antigo, aliás, tudo ali tinha um cheiro de coisa antiga, lá dos anos 40: o nome da bandeira no alto da bomba de combustível dentro de um globo luminoso amarelo, os veículos estacionados delatando modelos, hoje, completamente ultrapassados, as instalações acanhadas e mal iluminadas, o prédio num estilo art-decó. Um atendente, de macacão e quepe, veio até ele:
- Enche o tanque, doutor? Vem de longe?
- A trabalho, amigo. Posso descansar um pouquinho por aqui?
- Claro, doutor. Uma dica: por que não aproveita dá uma entrada na cidadezinha, aqui perto? Hoje é só alegria, festança adoidada. Agora mesmo vai começar o desfile das escolas, tá todo mundo dançando na rua.
Enquanto o homem falava, lembrou-se de que viajava no Carnaval. Pensou, pensou, acabou topando. Abastecido o carro, pegou uma estradinha de terra nos fundos do posto. Chegou à avenida principal da cidade bem quando as escolas exibiam-se, com entusiasmo. O tempo não ajudava, parecia anunciar um grande temporal, nuvens pesadas tomavam o céu, começava uma ventania que varria toda a cidade.
O povão aplaudia, acompanhava os rodopios das passistas, um carro alegórico seguia lentamente, exuberante. Atrás de tudo vinha o corso com foliões apinhados em cima de baratinhas abertas, gente jogando confete, serpentina, brincando sem maldade com lança-perfumes. Dos auto falantes, ouviam-se, em altos sons, velhas marchinhas carnavalescas. Havia um colorido especial naquela festa popular, que, surpreendentemente, tinha uma temática dos carnavais de antigamente. Até os foliões nas calçadas se vestiam com roupas de época. A ventania aumentava. De repente, não tinha mais ninguém nas ruas: todos queriam era voltar para casa, logo!
Festa acabada, já alta madrugada, e ainda em meio àquela tormenta, que só aumentava, pegou a estrada - achou aquilo tudo muito esquisito, mas, pensou, "deixa pra lá". Pegou a estrada.
Passou um ano. Novamente numa segunda-feira de Carnaval, dispôs-se a fazer o mesmo caminho da outra vez: aproveitaria o dia para tocar a agenda. Parou para abastecer no mesmo posto, aquele "antigão". Mas, algo estava diferente. Surpresa! Ele, agora, era moderno, feericamente iluminado, não dava mais para reconhecer aquele de um ano atrás, feio, ultrapassado. Desceu do carro, foi direto ao frentista:
- E a cidadezinha aí perto. O Carnaval está animado este ano?
O homem olhou para ele, sério, com um ar misterioso:
- Doutor, aqui não tem nenhuma cidadezinha, não. É tudo deserto. Ah, só mesmo as ruínas de uma pequena cidade que foi arrasada por um grande tornado que passou por aqui no final de uma noite de Carnaval. O povinho da região fala que o lugar é mal assombrado. Mas, isso já faz mais de oitenta anos. Ninguém se lembra mais de nada. Completo o tanque?
Com a cabeça a mil, partiu logo, rangendo os pneus. Pelo retrovisor ainda viu o frentista... agora o homem usava um macacão e quepe na cabeça.
Ele desviou os olhos do espelho, acelerou o carro o mais que pode.
- Carnaval? Sem essa, nunca mais passo por esta estrada.
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